Posta em vigência a partir de 1998, a legislação de trânsito brasileira é considerada uma das melhores do mundo, mas o cumprimento efetivo das determinações legais ainda é um desafio.
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O Código de Trânsito Brasileiro completa a maioridade nesta sexta-feira (22). Em vigor desde 1998, o documento tem a finalidade de garantir a mobilidade segura por meio de diretrizes e normas de conduta relacionadas a infrações, fiscalização e educação viária com o envolvimento de todos os usuários do sistema de tráfego do país. Nesses 18 anos de vigência, a legislação trouxe melhorias para a sociedade, porém, conforme especialistas e entidades que gerenciam aspetos deste universo, permanece não sendo seguida de forma adequada, vítima de uma política fiscal ineficiente e uma sensação de impunidade que ainda existe por parte dos condutores.
Segundo um relatório lançado pela Organização Mundial da Saúde, a legislação brasileira de trânsito foi considerada um exemplo positivo entre os dez países mais populosos do mundo. Essa realidade é reconhecida pelo especialista em Direito do Trânsito Julyver Modesto de Araujo, que evidencia os principais méritos do código, nos 18 anos de vigência.
“Destaco no novo CTB a melhoria na formação dos condutores; a transferência da obrigação de gestão do trânsito para os municípios (fato que ainda não é uma realidade em todos os lugares); a criminalização de determinadas condutas, tendo o código elencado 11 crimes de trânsito, além das infrações; e a grande capilaridade em tratar de vários assuntos de segurança viária (alcoolemia, cinto de segurança, etc)”, resumiu o especialista.
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Em contrapartida, conforme destacou, a legislação brasileira atual é muito complexa e dinâmica, contendo muita informação clara e mudando constantemente, o que, como enfatizou, causa perda de efetividade no cumprimento das determinações.
“Não há necessidade de tanta mudança. Da maneira como está a legislação, ela não deveria sofrer mais alterações. Se for analisar tecnicamente, não precisaria mudar algumas questões, como a da alcoolemia, que foi alterada três vezes nesses 18 anos. É preciso que haja, sim, uma fiscalização efetiva, não mexendo mais e começando a cobrar dos motoristas o que se exige no código”, ressaltou.
Essa ideia é seguida pelo engenheiro Carlos Batinga, que está à frente da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de João Pessoa. Ele apontou que não há uma uniformidade na aplicação da leis, complicando o cumprimento destas, e exemplificou com o fato comum de acidentes motivados por embriaguez ao volante: “Alguns delegados usam o Código de Trânsito e outros o Código Penal”.
Apesar do desrespeito ainda vigente, Julyver Araujo afirmou que, de uma forma “macro”, os motoristas estão mais conscientes de seus papéis de cidadãos hoje em dia, mas essa é uma realidade que só poderá ser melhor avaliada nos próximos anos, já que a nova geração de condutores será a primeira que já nasceu após a instituição do novo código, que obriga que o ensino de trânsito seja passado desde a pré-escola.
“Uma das coisas que é nítida é que a discussão de trânsito hoje é muito maior. O respeito às leis, no entanto, varia bastante de acordo com a região”, revelou Julyver, acrescentando que há uma proporcionalidade direta entre uma boa fiscalização e o sentimento nas pessoas de se verem obrigadas a cumprir as leis.
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Batinga, da Semob, também nesta situação, citou um exemplo que demonstra o alto nível de impunidade: “Você tem a carteira cassada quando ultrapassa os 20 pontos com as infrações cometidas. Não existe uma estrutura para punição maior quando o condutor é flagrado dirigindo com a carteira suspensa”.
O superintendente também avaliou a questão de uma ótica mais ampla: “Os condutores devem ter comportamento civilizado no trânsito. As pessoas ficam irritadas, agressivas. Existe uma questão educacional mais extensa a ser observada. Não há uma exigência maior de conhecimento e até de comportamento de trânsito”.
Batinga comentou sobre o papel do CTB e considerou que ele ajuda pouco em termos de diminuir a quantidade de acidentes e melhorar qualidade dos motoristas. Para ele, é preciso investir em campanhas permanentes de educação no trânsito, iniciativa que, segundo o superintendente de mobilidade urbana, não existe.
“Só vamos ter um trânsito mais humano e mais seguro na hora que as pessoas começarem a ter um comportamento cidadão, respeitando as regras e os outros”, declarou Batinga.
Autoescolas
Quando se fala de educação adequada dos condutores, essa questão passa pela realidade das autoescolas brasileiras. “As escolas de formação de motoristas só têm a preocupação de fazer você conseguir a habilitação. E o aluno também só quer isso”, avaliou o comandante da Semob.
Claudionor Fernandes, presidente do Sindicato das Autoescolas da Paraíba e diretor da Federação Nacional das Autoescolas, disse que um dos maiores problemas na educação dos condutores é a falta de critérios para a autorização do funcionamento de escolas de formação de motoristas.
“O sistema de trânsito do Brasil está falido. O Departamento Nacional de Trânsito está sem recursos e tem apenas 12 fiscais para cobrir o país inteiro com a fiscalização dos Detrans e das 12.500 autoescolas, sendo 68 só na Paraíba”, denunciou Claudionor.
“A abertura de autoescolas deve ser feita por critério técnico e não político”, disse o presidente. Ele explicou que muitos centros de formação não cumprem os requisitos necessários pelo Código de Trânsito Brasileiro para funcionarem e acabam exercendo atividades irregulares por não serem alcançados por uma fiscalização eficiente.
Quanto ao curso de formação, Claudionor, a partir de vivências obtidas em outros países, considera que a carga horária atual é insuficiente. “Na China e na Europa o aluno passa quase um ano para tirar a habilitação. Dessa forma há a formação de condutores mais conscientes e preparados”, comparou.
CTB e estrutura viária no Brasil
“Temos precariedade na infraestrutura e na sinalização, mas 70% dos acidentes são por imperícia ou mau comportamento do condutor”, quantificou Carlos Batinga, comentando que não são feitos investimentos adequados no âmbito do trânsito no país.
Essa situação é justificada por um dado levantado por Julyver Araujo. Segundo o especialista, o Artigo 320 do CTB contém regras que a maioria dos municípios não cumpre, que dizem respeito à aplicação do dinheiro das multas cobradas sobre infrações na infraestrutura do trânsito. Ao invés disso, como esclareceu, a maioria dos gestores municipais usa os valores arrecadados como recurso genérico, podendo ser aplicados em outros setores.
O cumprimento desse tipo de determinação, frisou Araujo, seria um primeiro passo para estruturar uma realidade em que o cidadão possa ser beneficiado com a aplicação correta dos recursos disponíveis.
Nesse sentido, Claudionor Fernandes concluiu sendo enfático e sucinto: “Devemos sempre investir no tripé da educação, engenharia e fiscalização”.
Com informações: Portal Correio